Favelas e Comunidades Urbanas: IBGE muda denominação dos aglomerados subnormais
Editoria: IBGE | Carmen Nery e Vinícius Britto – Publicado em 23/01/2024
Agência de Notícias – IBGE
O IBGE está substituindo a denominação dos “Aglomerados Subnormais”, adotada pelo instituto em seus censos e pesquisas desde 1991. A nova denominação, que foi discutida amplamente pelo instituto com movimentos sociais, comunidade acadêmica e diversos órgãos governamentais, será “Favelas e Comunidades Urbanas”. Com isso, o IBGE retoma o termo “Favela”, utilizado historicamente pelo órgão desde 1950, junto ao termo “Comunidades Urbanas”, de acordo com identificações mais recentes. Não houve alteração no conteúdo dos critérios que estruturam a identificação e o mapeamento dessas áreas e que orientaram a coleta do Censo Demográfico 2022. Trata-se da adoção de um novo nome e da reescrita dos critérios, refletindo uma nova abordagem do instituto sobre o tema.
“A divulgação dos resultados do Censo 2022 será realizada, no segundo semestre, de forma condizente com os critérios utilizados para a identificação, o mapeamento e a coleta censitária. A nova nomenclatura foi escolhida a partir de estudos técnicos e de consultas a diversos segmentos sociais, visando garantir que a divulgação dos resultados do Censo 2022 seja realizada a partir da perspectiva dos direitos constitucionais fundamentais da população à cidade”, diz Cayo de Oliveira Franco, Coordenador de Geografia da Diretoria de Geociências do IBGE.
Segundo projeções da ONU-Habitat 2022, cerca de um bilhão de pessoas vivem atualmente em favelas e assentamentos informais, em todo o mundo. Esse número pode estar subestimado, frente às dificuldades de captação dos dados em diversos países e à dinamicidade de formação e dispersão desses territórios. De acordo com a ONU-Habitat, em 2021, cerca de 56% da população do planeta vivia em áreas urbanas, e essa taxa deve subir para 68% em 2050.
No campo das estatísticas internacionais a respeito das favelas e comunidades urbanas, desde o início do século XXI, um conjunto de esforços, coordenados principalmente pela ONU-Habitat, tem se voltado para a construção de nomenclaturas e parâmetros operacionais globais para a identificação e o mapeamento desses territórios. Os indicadores produzidos para acompanhamento das metas globais associadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, por exemplo, demandam o aperfeiçoamento constante da produção de informações sobre esses territórios.
O IBGE, além de ser um ator importante na definição dessas agendas, é o órgão responsável por essa produção para todas as favelas e comunidades urbanas do País, considerando o desafio subjacente à sua diversidade histórico-geográfica.
O IBGE constatou que alguns marcos centrais evidenciaram problemas no uso da expressão “Aglomerado Subnormal”. Entre os fundamentos legais para a mudança está o direto à moradia, considerado um direito humano fundamental desde a Declaração Universal de 1948 e previsto no Art. 6º da Constituição Federal de 1988. Consequentemente, está a previsão de que as pessoas podem mobilizar os meios disponíveis para viabilizá-lo, inclusive a autoconstrução e a ocupação dos espaços da cidade a fim de concretizar sua função social. O direito à moradia adequada também é descrito no Comentário nº. 4 do relatório do Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, publicado em 1991.
Da mesma forma, os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988 versam sobre a função social da propriedade e da cidade e sobre o instrumento de usucapião. Destacam-se ainda o Estatuto da Cidade (Lei nº 10 257/2001) e o conjunto de leis que versam sobre a regularização fundiária urbana.
A partir de 2003, o IBGE já vinha realizando uma série de atividades de consulta para revisão da nomenclatura. Em 2021, houve a formação do GT de Favelas e Comunidades Urbanas para subsidiar o aprimoramento do Censo 2022 em todas as etapas da pesquisa e estruturar um novo processo de consulta para retomar a agenda de reformulação do conceito Aglomerado Subnormal. E finalmente, em setembro do ano passado, foi realizado o Encontro Nacional de Produção, Análise e Disseminação de Informações sobre as Favelas e Comunidades Urbanas no Brasil.
O Chefe do Setor de Territórios Sociais, Jaison Luis Cervi, destaca algumas decisões estabelecidas após os processos de consulta. Entre elas está a aceitação unânime do termo favela, que está vinculado à reivindicação histórica por reconhecimento e identidade dos movimentos populares. Foi consensual a necessidade de que o termo estivesse acompanhado de um complemento. Além disso, o conceito deveria ter uma acepção positiva e ser um elemento de afirmação, e não de estigmas, reforçando a sociabilidade, a identidade e as formas próprias de organização desses territórios.
“Também se estabeleceu a importância de que o conceito se refira a territórios com direitos não atendidos, em vez de territórios em desacordo com a legislação. Embora seja central evidenciar a potência desses territórios, foi mencionado o desafio de que a desassistência de direitos seja também evidenciada pelas estatísticas públicas”, diz Cervi.
A partir desses insumos, o IBGE preparou nova proposta de redação dos critérios e selecionou alternativas possíveis para uma nova nomenclatura. As duas com maior aceitação nessas instâncias de consulta e participação foram: “favelas e comunidades urbanas” e “favelas e territórios populares”.
Com base nessa sistematização, foram realizadas novas reuniões internas e externas. Nesse processo, a denominação “Favelas e Comunidades Urbanas” foi a mais aderente às discussões realizadas no decorrer do processo, por ser, inclusive, habitualmente utilizada pelas lideranças comunitárias envolvidas nesse debate. Ressaltou-se a popularidade do termo, especialmente fora da Região Sudeste, e a relevância de um nome fortemente embasado nas práticas sociais e comunitárias desses territórios.
“Valoriza-se, assim, os modos de criar, fazer e viver, reconhecidos no artigo 216 da Constituição Federal, por meio de um nome dotado de maior identificação com a população”, completou Cervi.
A pesquisa censitária de 1950 colocou em pauta diversos desafios referentes à identificação, ao mapeamento e à classificação das favelas, começando pela construção do conceito de favela, que, original do Rio de Janeiro, era pouco conhecido em outras regiões brasileiras, naquela época. Os resultados desse inquérito evidenciaram a relevância de estudos específicos sobre esses territórios, uma vez que apuraram que 7,2% da população do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, já naquele ano, residia em favelas.
O Censo de 1960 manteve a denominação “Favelas” como referência a esses territórios. Na comparação com o Censo de 1950, o número de favelas do Rio de Janeiro aumentou de 58 para 147. Foi neste Censo que o IBGE, pela primeira vez, passou a elaborar cartogramas próprios para a realização da pesquisa nas cidades em substituição aos cadastros prediais-domiciliares. Com a aceleração do processo de urbanização, esse tema ganhou maior dimensão e complexidade.
O Censo de 1970 adota a terminologia “Aglomerados Urbanos Excepcionais”. Apesar da mudança de terminologia, o novo conceito reproduzia praticamente o mesmo conceito empregado para as favelas do Censo de 1950. O tratamento dos setores urbanos excepcionais no Censo de 1970 buscava atender a necessidade de realização de levantamentos amostrais diferenciados e de tabulações específicas.
O Censo Demográfico de 1980 mantém a identificação de setores especiais e retira o termo “excepcional” do conceito, que passa a ser denominado “Setor Especial de Aglomerado Urbano”. Pela primeira vez, são feitas tabulações estatísticas de nível nacional para essas áreas, ampliando a abrangência dos resultados que, em 1950 e 1960, se restringiram ao então Distrito Federal. Produziram-se tabulações de população residente por sexo, domicílios particulares ocupados e média de pessoas por domicílio particular ocupado, segundo os municípios e as favelas. Neste ano, foram contadas 2.280.063 pessoas residindo em 487.729 domicílios particulares permanentes ocupados em favelas.
O Censo 1990, adiado para 1991, foi a primeira pesquisa a adotar o conceito “Aglomerado Subnormal”, mantendo-se ao lado do conceito a observação, entre parênteses “Favelas e Similares”. Esse é o censo em que o critério da irregularidade fundiária torna-se a principal identificação dos aglomerados, sendo sempre associado a pelo menos uma precariedade de padrões urbanísticos ou de atendimento por serviços públicos essenciais. Foram contadas 4.482.637 pessoas residindo em 1.028.911 domicílios nestas áreas.
Neste censo, foram criadas as Comissões Censitárias Municipais, que tinham o papel de ajudar na mobilização da população em cada município, e dar apoio à etapa de coleta. Criou-se, ainda, a Comissão Consultiva, formada por especialistas que opinavam sobre o conteúdo dos questionários, à amostra e aos métodos de apuração, entre outros aspectos.
O Censo 2000 marcou o fortalecimento da discussão com a sociedade civil sobre a produção de estatísticas públicas, mantendo a denominação aglomerados subnormais para fazer referência às áreas conhecidas como favelas, comunidades, vilas, loteamentos, grotas, palafitas, entre outras. Foram contadas 6.535 634 pessoas residindo em 1.662.868 domicílios particulares permanentes em Aglomerados Subnormais (favelas e similares).
Importante destacar que o Censo Demográfico 2000 foi a campo em períodos próximos às pesquisas MUNIC de 1999 e 2001, que revelaram um quantitativo de municípios com presença de “favelas e assemelhados” – 1 269 – superior àquele demonstrado pela Base Territorial do Censo 2000, que contava com setores censitários de aglomerados subnormais em 225 municípios. As divergências entre a MUNIC e o Censo 2000 ocorriam também nos quantitativos de favelas referenciados nos cadastros municipais e nos quantitativos de domicílios presentes nessas áreas segundo a compilação das informações municipais, o que daria origem posteriormente a diversos esforços institucionais para o aperfeiçoamento dos procedimentos de identificação e mapeamento dessas áreas.
O Censo 2010 trouxe grande avanço na identificação dos aglomerados subnormais, mantendo, contudo, a nomenclatura principal utilizada nos Censos de 1991 e 2000 e excluindo a expressão “favelas e assemelhados” que acompanhava o nome principal. Foram contadas 11.431.619 pessoas residindo em 3.229.434 domicílios particulares permanentes em Aglomerados Subnormais.
Se nos Censos de 1991 e 2000 esses territórios foram considerados para tabulações muito restritas e para diferenciação dos agregados de setores, no Censo Demográfico 2010, o IBGE produziu publicações específicas, buscando salientar a sua relevância como importante diferenciador das condições socioeconômicas da população, com ênfase na sua distribuição no território nacional e no aproveitamento máximo das variáveis do questionário básico e do questionário da amostra. Também foi possível detalhar os resultados referentes a cada aglomerado, o que teve grande relevância para os estudos urbanos no Brasil e no desenvolvimento de políticas públicas locais.
Os resultados apresentados entre 1980 e 2010 refletem o aperfeiçoamento metodológico e operacional da pesquisa, que permitiu identificar com maior precisão esses territórios em todo o país. No entanto, os números não permitem conclusões a respeito da dinâmica do surgimento, expansão ou remoção/reassentamento de favelas, dificultando a comparabilidade dos resultados. O IBGE está analisando, para a publicação dos resultados do Censo Demográfico 2022, a comparabilidade com os resultados de 2010, identificando os territórios que já existiam e não foram identificados, naquele ano, bem como os territórios que sofreram expansão ou remoção.
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